domingo, 12 de dezembro de 2010

Resumo do Capítulo XXIV (Memorial do Convento)

   Blimunda esperava ansiosamente Baltasar, e, por desespero, foi à sua procura. No seu caminho pelos montes encontrou um frade que a persuadiu a passar a noite numas ruínas próximas ao convento. O frade tentou violar Blimunda, mas ela espetou um espigão entre as costelas do frade. Mais desesperada que antes, Blimunda regressa a casa passadas duas noites sem dormir convenientemente.
   O capítulo termina com o rei que, festejando o seu quadragésimo primeiro aniversário, foi consagrar o monumento a Mafra com o resto do seu cortejo, constituído por personalidades de alta importância do clero.

Tomás Pereira

sábado, 4 de dezembro de 2010

Antropofagias

Texto 6

Não se esqueçam de uma energia bruta e de uma certa/
maneira delicada de colocá-la no «espaço»/
ponham-na a andar a correr a saber/
sobre linhas curvas e linhas rectas «fulminantes»/
ponham-na sobre patins com o stique e a bola como/
«ponto de referência» ou como «pretexto espaço-tempo»/
para aplicação da «dança»/
experimentem uma ou duas vezes ou três reter determinada/
«imagem» e metam-na «para dentro» assim imóvel/
e fiquem parados «aí» com a imagem parada talvez brilhando/
é qualquer coisa como uma sagrada suspensão/
e abrindo os olhos então o jogo retoma a imagem/
que entretanto ficou incrustada no escuro a brilhar sempre/
e dela «parece» que o movimento parte de novo/
é uma «linguagem» e energia e delicadeza atravessam o ar/
espectáculo do «verbo primeiro e último» apanhem a figura «absoluta»/
do pé esquerdo o patim refulge a mão direita «prolonga-se»/
vamos achar bem que o stique seja a «respiração»/
extrema e extensa/
a bola põe-se a «caligrafar» todo um sistema de planos/
intensos leves/
«metáfora» decerto minuto a minuto destruída pela pergunta/
«que jogo é este para o entendimento dos olhos?»/
a resposta «alegria» tudo esgota/
mas só um sentimento de urgência corporal dá ao jogo/
uma «necessária dimensão»/
«o jogo respira?» perguntam  e diz-se «que respira»/
«então deixem-no lá viver» como se se tratasse de/
«uma criatura»/
podemos confundir «isto» com «acertar»?/
o jogo apenas acerta consigo mesmo e este acerto é o próprio/
«jogo»/
nele ressaltam só qualidades de acção força delicadeza/
envolvimento em si mesmo/
e o prazer de maquinar o universo numa restrita/
organização de linhas vividas em «imanência»/
de imagem em imagem se transfere o corpo/
sempre à beira de «ser» e parando e continuando/
e ainda «apagando e recomeçando» como se continuamente/
bebesse de si e tivesse o ar pequeno para demonstrar/
a grandeza de si a si mesmo/
«referido a quê senão ao absurdo de um espelho?»/
«a enviar-se» cerradamente entre os seus limites/
zona frequentada pela «ausência viva»/
destreza porque sim forma porque sim aplicação porque sim/
de tudo em tudo/
de nada em nada pelo gozo «básico» de «estar a ser» 

Herberto Helder, Antropofagias

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Conselho

Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
 
Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
 
Fernando Pessoa

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Hermes


Hermes

«O gesto era branco, o sorriso era como era, a voz era igual, lançada num tom de quem não procura senão dizer o que está dizendo - nem alta nem baixa, clara, livre de intenções, de hesitações, de timidezas. O olhar azul não sabia deixar de fitar. Se a nossa observação estranhava qualquer cousa, encontrava-a: a testa, sem ser alta, era poderosamente branca. Repito: era pela sua brancura, que parecia maior que a da cara pálida, que tinha majestade. As mãos um pouco delgadas, mas não muito; a palma era larga. A expressão da boca, a última cousa em que se reparava - como se falar fôsse, para este homem, menos que existir -, era a de um sorriso como o que se atribui em verso ás cousas inanimadas belas, só porque nos agradam - flôres, campos largos, aguas com sol -, um sorriso de existir, e não de nos falar.»

Álvaro de Campos, "Notas para a Recordação do Meu Mestre Caeiro" 


Resposta ao "Conselho"

(escrito durante a aula)

Gostava que entrasses pelo portão, de rompante
Fechadura de duas chaves
Uma é minha.

As flores não falam
O sol cega-te e hoje não há luar
Para quebrar a rotina.

Pensas que sabes o que de melhor tenho
Sabendo eu que não o sabes
Tomara que soubesses
Tomara que o faças
Entra. Não saias mais.
Agora também é teu.
O melhor de mim.

Ana Olímpio, nº1, 12ºD

sábado, 27 de novembro de 2010

Lisboa

«A saudade, dizia Maria do Carmo, não é uma palavra, é uma categoria do espírito, só os portugueses conseguem senti-la, porque têm esta palavra para dizer que a têm, disse-o um grande poeta. E então começava a falar de Fernando Pessoa. Ia buscá-la a casa dela na Rua das Chagas por volta das seis da tarde, ela ficava à minha espera atrás de uma janela, quando me via desembocar no Largo de Camões abria o pesado portão e descíamos em direcção ao cais deambulando pela Rua dos Fanqueiros e pela Rua dos Douradores, vamos seguir um itinerário fernandino, dizia ela, estes eram os lugares predilectos de Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, semi-heterónimo por definição, era aqui que ele fazia a sua metafísica, nestas barbearias. Àquela hora a Baixa estava cheia de gente apressada e barulhenta, os escritórios das companhias de navegação e das firmas comerciais fechavam os guichets, nas paragens dos eléctricos havia bichas enormes, ouvia-se os gritos dos engraxadores e dos ardinas. Enfiávamos na confusão da Rua da Prata, atravessávamos a Rua da Madalena e descíamos em direcção ao Terreiro do Paço, branco e melancólico, onde os primeiros cacilheiros atulhados de gente largavam para a outra banda. Estamos já na Lisboa de Álvaro de Campos, dizia Maria do Carmo, em puocas ruas mudámos de heterónimo.
Àquela hora a luz de Lisboa era branca para os lados da barra e rosada sobre as colinas, os edifícios pombalinos pareciam uma oleografia e o Tejo era sulcado por uma miríade de barcos. Aproximávamo-nos do cais, o cais onde Álvaro de Campos ia esperar ninguém, como dizia Maria do Carmo, e recitava alguns versos da «Ode Marítima», aquela passagem em que o pequeno paquete desenha o seu perfil no horizonte e Campos sente um volante que começa a girar dentro de si. A noite ia caindo sobre a cidade, acendiam-se as primeiras luzes, também o Tejo se acendia com os reflexos, nos olhos de Maria do Carmo havia uma grande melancolia. Talvez sejas novo demais para perceberes, com a tua idade eu não teria percebido, não teria imaginado que a vida fosse como um jogo a que eu jogava na minha infância em Buenos Aires, Pessoa é um génio porque percebeu o reverso das coisas, do real e do imaginado, a poesia dele é um juego del revés.

Antonio Tabucchi, O Jogo do Reverso

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Movimento

O meu cérebro derreteu lentamente
Eu disse que sim
Mas queria dizer não

O meu cérebro derreteu lentamente
Ouvi sereias a cantar
E vi-te de pernas para o ar

Tudo num movimento permanentemente indiferente
Um movimento permanentemente indiferente
Um movimento permanentemente indiferente
Eu não sei

Um movimento que lentamente se estende na tua mão
Um movimento que lentamente me faz pensar
Um movimento que lentamente tira os pés do chão
Um movimento que lentamente me irá levar

No entanto estabelece-se a ilusão
E o meu cérebro derreteu
E congelou a razão

Assim o teu cérebro derreteu
Em vez de te dizer sim
Disse-te que não

C.H. Wasson

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Vai Aonde Te Leva o Coração

Dado que não pude ir à aula de Português esta terça feira pois fui participar no Projecto 'Braço Direito' com um senhor da área de Gestão, deixo-vos aqui um excerto de um livro que o senhor me recomendou ler, e que acho fabuloso. O livro foi escrito por Susanna Tamaro e está intitulado por Vai Aonde Te Leva o Coração.

“Sempre que, à medida que fores crescendo, tiveres vontade de converter as coisas erradas em coisas certas, lembra-te de que a primeira revolução a fazer é dentro de nós próprios, a primeira e a mais importante. Lutar por uma ideia sem se ter uma ideia de si próprio é uma das coisas mais perigosas que se pode fazer." "Quando te sentires perdida, confusa, pensa nas árvores, lembra-te da forma como crescem. Lembra-te de que uma árvore com muita ramagem e poucas raízes é derrubada à primeira rajada de vento, e de que a linfa custa a correr numa árvore com muitas raízes e pouca ramagem. As raízes e os ramos devem crescer de igual modo, deves estar nas coisas e estar sobre as coisas, só assim poderás dar sombra e abrigo, só assim, na estação apropriada, poderás cobrir-te de flores e de frutos." "E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás-de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te, e vai para onde ele te levar.”

... melhor escrito não podia estar (:


Isadora Tacoen

Shallow Grave

 Não sei se é da chuva, mas hoje apteceu-me ouvir The Tallest Man on Earth e partilhar aqui no blog.

The Gardner


 The Tallest Man on Earth, é o projecto a solo de Kristian Matsson, funcionando este mesmo nome como pseudónimo do artista em palco.
 Sendo o seu primeiro albúm de estreia Shallow Grave de 2008, albúm que hoje partilhamos, podemos neste sentir os sons folk de um sueco com inspirações no folk americano, numa simbiose de homem e guitarra perto do perfeito, que nos levam numa viagem fresca pela natureza, paixão, solidão e saudade...

Pistol Dreams


 Este ano tive a oportunidade de assistir, ao concerto de The Tallest Man on Earth. Lembro de estar sentado na relva do anfiteatro único que Paredes de Coura oferece, e ao ritmo de um pôr do sol alaranjado, ver um pequeno homem sozinho apenas com duas caixas, uma com uma guitarra, outra vazia porque ele usava a guitarra que esta transportava. E lá ia ele embalando o ritmo daquele fim de tarde de Verão, talvez a minha nostalgia por bom tempo me tenha feito recuar até aí, hoje...

This Wind


luis metello

domingo, 21 de novembro de 2010

Harry Potter

Numa altura em que a 1ªparte do livro Harry Potter and the Deathly Hallows saiu em filme, deixo-vos aqui o trailer do mesmo:
http://www.youtube.com/watch?v=_EC2tmFVNNE

Aconselho seriamente a lerem o livro, preferencialmente em inglês, pois na minha opinião, é um livro verdadeiramente fabuloso que nos deixa "viciados e agarrados" a ele até ao final. A meu ver a escrita de J.K.Rowling é muito entusiasmante e cativa qualquer pessoa.

Daniel Miguel Vaz
nº8 12ºD

sábado, 20 de novembro de 2010

Exame Nacional de Português

Acabei de colocar na secção "Ligações", a ligação para as orientações relativas ao Exame Nacional.

Carlos Jesus

Volume das Coisas

não gosto de estar sozinho
não gosto de estar acompanhado 
vejo lentamente, que enquanto procuro algo 
nada me ocorre tão violentamente como alguém 
oiço tiros obscuros dentro da caixa que me fecha 
em silêncio vagueiam murmúrios que me inquietam 
tudo se resume à clareza de que nada gosto 
ou então, que nada me faz gostar como já o fiz 

a humanidade de um pensamento reduz se ao ridículo 
não por ser exprimida por mim 
mas confrontada pelo exterior 
o exterior, faz parecer todo um complexo sistema de pensamentos 
como se de lunatismo se tratasse 
não é fiel ao que eu sinto 
não é fiel o meu corpo, ao vazio que me enche o espírito 
sem que por isso encontre algo 

gosto do céu, bem claro bem claro 
gosto do fogo que é fresco, é doce, poucas vezes amargo 
gosto da terra fina que quando agarro serpenteia 
gosto do mar no qual me afogo 
gosto dos edifícios finos e longos 
gosto do volume das coisas que me fazem perder em pensamentos loucos 
no fundo gosto de ti 
e apenas de ti

C.H. Wasson

Lições do Abismo

"Estou demasiado cego e mudo para morrer, demasiado morto para enfrentar a morte. Sou eu a dor, a causa da existência, o ruído do coração a perder-se no meu peito. Mesmo que não possa sair desta imensidão, a memória não se há-de apagar. Morto já devo estar, porque não consigo fazer com que acreditem que escolhi o meu trilho final.
Violento é o meu acordar."

escrito por: Daniel Sampaio

Daniel Vaz nº8
12ºD

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Leitmotiv

Figura de repetição, no decurso de uma obra literária, de determinado tema, a qual envolve uma significação especial.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Nada é mais puro do que um beijo....




A íncrível e linda cena de beijos do meu filme preferido "Cinema Paradiso", em que os espectadores de um cinema local eram privados de verem cenas íntimas dos filmes. O padre da vila vi-a e analizava todos os filmes antes de estes irem para cartaz e com um sininho avizava quais as partes que se deviam censurar. Anos mais tarde, o personagem principal vê essa colectânia censurada. Com um soundtrack fantástico, é de chorar por mais!



Mariana Freire

Sentido da vida

terça-feira, 16 de novembro de 2010

When Anger Shows

When Anger Shows dos Editors do albúm An End Has a Start.

 Como penso que esta música está relacionada com alguns temas que abordei na minha apresentação e uma vez, que também percebi que o professor gosta de Editors, deixo esta música no blog de forma a preencher o que eu não disse.



luis metello

O Êxtase de Santa Tereza



“O Êxtase de Santa Tereza”, é a obra prima de Bernini e marca o auge do estilo barroco. Ele chegou a construir uma capela como cenário para expo-la, incluindo balcões pintados nas paredes, cheios de “espectadores” em relevo.
Enquanto viveu, Santa Tereza tinha visões e ouvia vozes, acreditando que havia sido trespassada pelo dardo de um anjo, que lhe infundiu o amor divino. Ela descrevia sua experiência mística em termos que beiravam o erótico. “A dor foi tão grande que gritei; mas ao mesmo tempo senti uma doçura tão infinita que desejei que a dor durasse para sempre.”

domingo, 14 de novembro de 2010

Fernando Pessoa

Não é um poema, mas adoro e quero partilhar!


"Um dia a maioria de nós irá separar-se. Sentiremos saudades de todas as conversas, das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que partilhamos. Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das vésperas dos finais de semana, dos finais de ano, enfim... do companheirismo vivido.


Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre. Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai para seu lado, seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a sua vida.


Talvez continuemos a encontrar-nos, quem sabe... Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices... Aí, os dias vão passar, meses...anos...até este contacto se tornar cada vez mais raro. Vamo-nos perder no tempo.... Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e perguntarão: 'Quem são aquelas pessoas?' Diremos...que eram nossos amigos e...... isso vai doer tanto!' Foram meus amigos... Foi com eles que vivi tantos bons anos da minha vida!'


A saudade vai apertar bem dentro do peito... Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...... Quando o nosso grupo estiver incompleto...reunir-nos-emos para um último adeus de um amigo. E, entre lágrimas abraçar-nos-emos. Então faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vida, isolado do passado. E perder-nos-emos no tempo....
Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades.... Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!"

(não percebo porque está em Brasileiro)

Ana Olímpio

O que é a ironia?



Ironia é a pista que nos indica que o caminho certo está no sentido oposto num universo de frases ao avesso.


Ana Olímpio

sábado, 13 de novembro de 2010

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Velvet Goldmine

Em sequência ao clip video que apresentei no post de Oscar Wilde, deixo aqui uma sinopse do filme Velvet Goldmine.


"The story follows a British journalist, Arthur Stuart (Christian Bale), who has to search his own past when writing an article about the mysterious disappearance of a former glam-rock star, Brian Slade (Jonathan Rhys Meyers), for an American periodical. The film turns Slade's paranoia of being murdered during a concert (a paranoia that Bowie incorporated into the Ziggy Stardust story in the climax of the Ziggy Stardust album) into a career-ending publicity stunt by Slade, after which he gradually disappears from the public view entirely. As Stuart locates and talks with people connected to Slade, trying to find out what happened, he revisits the glam-rock scene of the '70s in a series of vignettes, which recreate the stories of Slade, Slade's collaborator and one time lover Curt Wild (Ewan McGregor) and others involved in their lives. The film centers on Brian Slade (Jonathan Rhys Meyers), a bisexual glam rock icon patterned after David Bowie and, to a lesser extent, Marc BolanEwan McGregor co-stars in the role of Curt Wild, a genre defying performer who doesn't back down from sex, nudity, or drugs on or off stage, and whose biographical details are based on Iggy Pop (who grew up in a trailer park)[1]and Lou Reed (whose parents sent him to electroshock therapy to 'cure' his homosexuality).[2]Also featured are Christian Bale as a young glam rock fan and reporter, Arthur Stuart; Toni Collette as Slade's wife, Mandy; Eddie Izzard as his manager, Jerry Devine; and Luke Morgan Oliver as a young Oscar Wilde.
The tale strongly parallels Bowie's relationships with Reed and Pop in the 1970s and 1980s. Brian Slade's gradually overwhelming on-stage persona of "Maxwell Demon" and his backing band, "Venus in Furs", likewise bear a resemblance to Bowie's similar persona and backing band, Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. And like the relationship of Slade and Wild, Bowie produced records with both Iggy Pop and Lou Reed.
The film is strongly influenced by the ideas and life of Oscar Wilde"
fonte: wikipedia





luis metello

domingo, 7 de novembro de 2010

Apontamentos do capítulo IX - Isadora Tacoen

- Baltasar e Blimunda mudam-se para a Quinta do Duque de Aveiro, em S. Sebastião da Pedreira, que é o sítio onde se vai realizar toda a construção da passarola.

Página 92 - Bartolomeu Lourenço tinha o sonho de fazer levantar a passarola mas tal era visto como um grande pecado pois até lá só haviam subido 'Cristo, a virgem e alguns escolhidos santos'.

Página 93 - O narrador faz referência à falta que uma das mãos faz a um homem, neste caso Baltasar. Ao mesmo tempo explica indirectamente as consequências que os desastres da guerra podem dar.

Página 94
- O Padre baptizou Blimunda por Sete-Luas ao dar a explicação que era por ela conseguir ver às escuras. Mas temos toda uma simbologia à volta do nome atribuído aos dois.

- Simbologia de Sol e Lua na página 281 do manual:

Sol - Multivalente e rica em contradições, a realidade solar é, para muitos povos, manifestação da divindade. A alternância vida – morte – renascimento é simbolizada pelo ciclo solar. Assim, o Sol aparece, igualmente, como símbolo de ressurreição e imortalidade. É fonte de luz, de calor e da vida. Complementar de Lua, é princípio activo e masculino em muitas culturas, por irradiar directamente a luz. Sol e Lua encontram ainda frequente correspondência com os olhos – eram os olhos dos heróis primordiais – e com a luz do conhecimento.

- O Sol é portanto o símbolo da vida, e associa-se ao povo que trabalhava constantemente como o próprio Baltasar.

Lua – Correlativa da do Sol, a sua simbologia deriva de, por um lado, a Lua reflectir a luza daquele astro e, por outro, mudar de forma ao longo das várias fases que atravessa. É por isso frequentemente associada ao princípio feminino e passivo, bem como à periodicidade e à renovação; é por excelência o astro dos ritmos da vida, o que controla tudo o que é regido pela lei do devir cíclico: águas, chuva, vegetação, fertilidade; a Lua é também símbolo do sonho, do inconsciente, dos valores nocturnos.

- A Lua não tem luz própria ou seja, depende do sol como Blimunda dependia do Baltasar. Também sabemos que a lua atravessa fases, que representa a periodicidade e a renovação.

Número Sete - número de dias de cada ciclo lunar que regula os ciclos de vida e da morte na terra. Símbolo da sabedoria e do descanso no fim da criação. Representa simbolicamente a totalidade do universo em movimento. Como sabemos o número sete está muito presente na nossa vida: temos os sete dias da semana, as sete cores do arco-íris, os sete pecados mortais, etc.

- Assim, Baltasar e Blimunda simbolizam a dualidade cíclica ou seja, é-nos transmitido uma ideia de união, de complementaridade e de perfeição.

Página 96
- É referido a falta do éter, que e possível trazer para a terra através da alquimia. Para isso, o Padre Bartolomeu Lourenço decide partir para a Holanda pois é uma terra de muitos sábios sobre alquimia e éter.

Éter é um elemento que faz com que os corpos se libertem do peso da terra (o que faria a passarola levantar-se e voar).

- O padre Bartolomeu Lourenço decide portanto partir para a Holanda, deixando a máquina de voar ao cuidado de Blimunda e Baltasar.

- Blimunda e Baltasar já tinham combinado que iam partir para Mafra, mas antes disso, decidem que vão se divertir um pouco. Assim, em vez de irem ao auto-de-fé como de costume, vão assistir às touradas.

Páginas 101 e 102Touradas (Terreiro do Paço) – há um tratamento cruel com os animais e o povo, exaltado, liberta-se de inibições. A violência das touradas agradava o povo que, ignorantes como são, se divertiam com as imagens da morte, esquecendo da miséria em que viviam.

Página 103 – Está presente a ironia do narrador: Constatação de que em Lisboa, as pessoas não estranham o cheiro a carne queimada.
Perspectiva crítica: A morte dos judeus é positiva porque os seus bens revertem para a coroa.

- Após assistirem às Touradas, Blimunda e Baltasar partem para Mafra.

Isadora Tacoen
12º D, Nº 12
07.11.2010

sábado, 6 de novembro de 2010

Atmosphere...

Quixote

Desassossego

94.
Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção - isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos. Esta madrugada é a primeira do mundo. Nunca esta cor rosa amarelecendo para branco quente pousou assim na face com que a casaria de oeste encara cheia de olhos vidrados o silêncio que vem na luz crescente. Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão. Altos montes da cidade! Grandes arquitecturas que as encostas íngremes seguram e engrandecem, resvalamentos de edifícios diversamente amontoados, que a luz tece de sombras e queimações – sois hoje, sois eu, porque vos vejo, sois o que [serei?] amanhã, e amo-vos da amurada como um navio que passa por outro navio e há saudades desconhecidas na passagem.

89.
A única atitude digna de um homem superior é o persistir tenaz de uma actividade que se reconhece inútil, o hábito de uma disciplina que se sabe estéril, e o uso fixo de normas de pensamento filosófico e metafísico cuja importância se sente ser nula.

268.
O olfacto é uma vista estranha. Evoca paisagens sentimentais por um desenhar súbito do subconsciente. Tenho sentido isto muitas vezes. Passo numa rua. Não vejo nada, ou antes, olhando tudo, vejo como toda a gente vê. Sei que vou por uma rua e não sei que ela existe com lados feitos de casas diferentes e construídas por gente humana. Passo numa rua. De uma padaria sai um cheiro a pão que nauseia por doce no cheiro dele: e a minha infância ergue-se de determinado bairro distante, e outra padaria me surge daquele reino das fadas que é tudo que se nos morreu. Passo numa rua. Cheira de repente às frutas do tabuleiro inclinado da loja estreita; e a minha breve vida de campo, não sei já quando nem onde, tem árvores ao fim e sossego no meu coração, indiscutivelmente menino. Passo uma rua. Transtorna-me, sem que eu espere, um cheiro aos caixotes do caixoteiro: ó meu Cesário, apareces-me e eu sou enfim feliz porque regressei, pela recordação, à única verdade, que é a literatura.

138.
Há uma erudição do conhecimento, que é propriamente o que se chama erudição, e há uma erudição do entendimento, que é o que se chama cultura. Mas há também uma erudição da sensibilidade. A erudição da sensibilidade nada tem a ver com a experiência da vida. A experiência da vida nada ensina, como a história nada informa. A verdadeira experiência consiste em restringir o contacto com a realidade e aumentar a análise desse contacto. Assim a sensibilidade se alarga e aprofunda, porque em nós está tudo; basta que o procuremos e o saibamos procurar. Que é viajar, e para que serve viajar? Qualquer poente é o poente; não é mister ir vê-lo a Constantinopla. A sensação de libertação, que nasce das viagens? Posso tê-la saindo de Lisboa até Benfica, e tê-la mais intensamente do que quem vá de Lisboa à China, porque se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma. "Qualquer estrada", disse Carlylé, "até esta estrada de Entepfuhl, te leva até ao fim do mundo." Mas a estrada de Entepfuhl, se for seguida toda, e até ao fim, volta a Entepfuhl; de modo que o Entepfuhl, onde já estávamos, é aquele mesmo fim do mundo que íamos a buscar. Condillac começa o seu livro célebre, "Por mais alto que subamos e mais baixo que desçamos, nunca saímos das nossas sensações". Nunca desembarcamos de nós. Nunca chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos. As verdadeiras paisagens são as que nós mesmos criamos, porque assim, sendo deuses delas, as vemos como elas verdadeiramente são, que é como foram criadas. Não é nenhuma das sete partidas do mundo aquela que me interessa e posso verdadeiramente ver; a oitava partida é a que percorro e é minha. Quem cruzou todos os mares cruzou somente a monotonia de si mesmo. Já cruzei mais mares do que todos. Já vi mais montanhas que as que há na terra. Passei já por cidades mais que as existentes, e os grandes rios de nenhuns mundos fluíram, absolutos, sob os meus olhos contemplativos. Se viajasse, encontraria a cópia débil do que já vira sem viajar. Nos países que os outros visitam, visitam-nos anónimos e peregrinos. Nos países que tenho visitado, tenho sido, não só o prazer escondido do viajante incógnito, mas a majestade do Rei que ali reina, e o povo cujo uso ali habita, e a história inteira daquela nação e das outras. As mesmas paisagens, as mesmas casas eu as vi porque as fui, feitas em Deus com a substância da minha imaginação.

10.
E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados

250.
Mesmo que eu quisesse criar, a única arte verdadeira é a da construção. Mas o meio moderno torna impossível o aparecimento de qualidades de construção no espírito. Por isso se desenvolveu a ciência. A única coisa em que há construção, hoje, é uma máquina; o único argumento em que há encadeamento o de uma demonstração matemática. O poder de criar precisa de ponto de apoio, da muleta da realidade. A arte é uma ciência... Sofre ritmicamente. Não posso ler, porque a minha crítica hiperacesa não descortina senão defeitos, imperfeições, possibilidades de melhor. Não posso sonhar, porque sinto o sonho tão vivamente que o comparo com a realidade, de modo que sinto logo que ele não é real; e assim o seu valor desaparece. Não posso entreter-me na contemplação inocente das coisas e dos homens, porque a ânsia de aprofundar é inevitável, e, desde que o meu interesse não pode existir sem ela, ou há-de morrer às mãos dela ou secar. Não posso entreter-me com a especulação metafísica porque sei de sobra, e por mim, que todos os sistemas são defensáveis e intelectualmente possíveis; e, para gozar a arte intelectual de construir sistemas, falta-me o poder esquecer que o fim da especulação metafísica é a procura da verdade.
Um passado feliz em cuja lembrança torne a ser feliz; sem nada no presente que me alegre ou me interesse, em sonho ou hipótese de futuro que seja diferente deste presente ou possa ter outro passado que esse passado, jazo a minha vida, consciente espectro de um paraíso em que nunca estive, cadáver-nado das minhas esperanças por haver. Felizes os que sofrem com unidade! Aqueles a quem a angústia altera mas não divide, que crêem, ainda que na descrença, e podem sentar-se ao sol sem pensamento reservado.

9.
Ah, compreendo! O patrão Vasques é a Vida. A Vida, monótona e necessária, mandante e desconhecida. Este homem banal representa a banalidade da Vida. Ele é tudo para mim, por fora, porque a Vida é tudo para mim por fora. E, se o escritório da Rua dos Douradores representa para mim a vida, este meu segundo andar, onde moro, na mesma Rua dos Douradores, representa para mim a Arte. Sim, a Arte, que mora na mesma rua que a Vida, porém num lugar diferente, a Arte que alivia da vida sem aliviar de viver, que é tão monótona como a mesma vida, mas só em lugar diferente. Sim, esta Rua dos Douradores compreende para mim todo o sentido das coisas, a solução de todos os enigmas, salvo o existirem enigmas, que é o que não pode ter solução.

255.
Se alguma coisa há que esta vida tem para nós, e, salvo a mesma vida, tenhamos que agradecer aos Deuses, é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhecermos a nós mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros. A alma humana é um abismo obscuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse (1), e assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual, morreríamos na alma de anemia (2). Ninguém conhece outro, e ainda bem que o não conhece, e, se o conhecesse, conheceria nele, ainda que mãe, mulher ou filho, o íntimo, metafísico inimigo. Entendemo-nos porque nos ignoramos. Que seria de tantos cônjuges (3) felizes se pudessem ver um na alma do outro, se pudessem compreender-se, como dizem os românticos, que não sabem o perigo - se bem que o perigo fútil - do que dizem. Todos os casados do mundo são mal casados, porque cada um guarda consigo, nos secretos onde a alma é do Diabo, a imagem subtil do homem desejado que não é aquele, a figura volúvel da mulher sublime (4), que aquela não realizou. Os mais felizes ignoram em si mesmos estas suas disposições frustradas; os menos felizes não as ignoram, mas não as conhecem, e só um ou outro arranco fruste, uma ou outra aspereza no trato, evoca, na superfície casual dos gestos e das palavras, o Demónio oculto, a Eva antiga, o Cavaleiro e a Sílfide. A vida que se vive é um desentendimento fluido, uma média alegre entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver. Somos contentes porque, até ao pensar e ao sentir, somos capazes de não acreditar na (6) existência da alma. No baile de máscaras que vivemos, basta-nos o agrado (7) do traje, que no baile é tudo. Somos servos das luzes e das cores, vamos na dança como na verdade, nem há para nós - salvo se, desertos, não dançamos - conhecimento do grande frio do alto da noite externa, do corpo mortal por baixo dos trapos que lhe sobrevivem, de tudo quanto, a sós, julgamos que é essencialmente nós, mas afinal não é senão a paródia íntima da verdade do que nos supomos. Tudo quanto fazemos ou dizemos, tudo quanto pensamos ou sentimos, traz a mesma máscara e o mesmo dominó. Por mais que dispamos o que vestimos, nunca chegamos à nudez, pois a nudez é um fenómeno da alma e não de tirar fato. Assim, vestidos de corpo e alma, com os nossos múltiplos trajes tão pegados a nós como as penas das aves, vivemos felizes ou infelizes, ou nem até sabendo o que somos, o breve espaço que nos dão os deuses para os divertirmos, como crianças que brincam a jogos sérios (8). Um ou outro de nós, liberto ou maldito, vê de repente - mas até esse raras vezes vê - que tudo quanto somos é o que não somos, que nos enganamos no que está certo e não temos razão no que concluímos justo. E esse, que, num breve momento, vê o universo despido, cria (9) uma filosofia, ou sonha (10) uma religião; e a filosofia espalha-se (11) e a religião propaga-se (12), e os que crêem na filosofia passam a usá-la como veste que não vêem, e os que crêem na religião passam a pô-la como máscara de que se esquecem. E sempre, desconhecendo-nos a nós e aos outros, e por isso entendendo-nos alegremente, passamos nas volutas da dança ou nas conversas do descanso, humanos, fiiteis, a sério, ao som da grande orquestra dos astros, sob os olhares desdenhosos e alheios dos organizadores do espectáculo.
Só eles sabem que nós somos presas da ilusão que nos criaram. Mas qual é a razão dessa ilusão, e por que é que há essa, ou qualquer, ilusão, ou por que e que eles, ilusos também, nos deram que tivéssemos a ilusão que nos deram - isso, por certo, eles mesmos não sabem.

Livro do Dessassossego

Madalenas

Havia já muitos anos que, de Combray, não existia para mim tudo o que não fosse o teatro e o drama do meu deitar, quando, num dia de Inverno, ao regressar a casa, a minha mãe, vendo-me com frio, me propôs que, contra o meu hábito, tomasse um chá. Comecei por recusar e, não sei porquê, mudei de opinião. Ela mandou buscar um daqueles bolos pequenos e roliços chamados «madalenas», que parecem ter sido moldados na concha estriada de uma vieira. E não tardou que, maquinalmente, abatido pelo dia taciturno e pela perspectiva de um triste dia seguinte, levei à boca uma colher de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena. Mas no preciso instante em que o gole com migalhas de bolo misturadas me tocou no céu-da-boca, estremeci, atento ao que de extraordinário estava a passar-se em mim. Fora invadido por um prazer delicioso, um prazer isolado, sem a noção da sua causa. Tornara-me imediatamente indiferentes as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, do mesmo modo que o amor opera, enchendo-me de uma essência preciosa: ou, antes, tal essência não estava em mim, era eu mesmo. Deixara de me sentir medíocre, contingente, mortal. Donde poderia ter vindo aquela poderosa alegria? Sentia-a ligada ao gosto do chá e do bolo, mas ultrapassava-o infinitamente, não devia ser da mesma natureza. Donde vinha? Que significava? Onde agarrá-la? Bebo um segundo gole, no qual nada encontro a mais que no primeiro, e um terceiro que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, a virtude da bebida parece estar a diminuir. É evidente que a verdade que procuro não está nela, mas em mim. Ela despertou-a, mas não a conhece, e não pode mais que repetir indefinidamente, cada vez com menos força, aquele mesmo testemunho que não sei interpretar e que, pelo menos, quero poder tornar a pedir-lhe e reencontrar intacto, à minha disposição, daqui a pouco, para um decisivo esclarecimento. Poiso a xícara e volto- -me para o meu espírito. A ele cabe encontrar a verdade. Mas como? Grave incerteza, sempre que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo; quando ele, o explorador, é todo ele o país escuro que tem a explorar e onde lhe não servirá de nada toda a sua bagagem. Explorar? Não só: criar. Está diante de algo que não é ainda e que só ele pode tornar real e depois fazer entrar na sua luz.

E recomeço a perguntar a mim mesmo qual poderia ser esse estado desconhecido, que não trazia consigo qualquer prova lógica, mas sim a evidência da sua felicidade, da sua realidade, diante da qual as outras se esfumavam. Pretendo tentar fazê-lo reaparecer. Retrocedo pelo pensamento ao momento em que tomei a primeira colher de chá. Reencontro o mesmo estado, sem uma clareza nova. Peço ao meu espírito mais um esforço, que me traga mais uma vez a sensação que se escapa.

PROUST, Marcel, Em Busca do tempo perdido, Vol. I, «Do Lado de Swann»

Arte e Vida

Embora possa parecer um paradoxo – e os paradoxos são sempre coisas perigosas – não deixa de ser verdade que a Vida imita a Arte muito mais do que a Arte imita a Vida.

Oscar Wilde, Intenções

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A Morte de Deus em Nietzsche

Em A Gaia Ciência, Nietzsche destaca que «o acontecimento mais importante da época actual - que "Deus morreu", que a fé no deus cristão foi impossível de manter - já começa a dissipar as primeiras nuvens sobre a Europa. No final, o horizonte apresenta-se livre diante de nós, apesar de não ser brilhante; no final o mar, o nosso mar, abre-se. Talvez nunca se tenha aberto assim um mar». Por outras palavras, o declínio da crença em Deus abre o caminho às energias criadoras do homem, ao seu desenvolvimento total; o Deus cristão, com os seus mandamentos, com as suas proibições, fica de lado pelo caminho; e os olhos do homem não estarão mais virados para um mundo irreal e sobrenatural, para o outro mundo, mas sim para este. Tal ponto de vista transporta claramente a ideia implícita de que o conceito de Deus é hostil à vida. E é, precisamente, este o empenho de Nietzsche, empenho que ele expressa com uma veemência cada vez maior. «O conceito de Deus - afirma em O Crepúsculo dos Ídolos - foi até agora a objecção maior contra a existência.» E em O Anticristo lemos que «com Deus se declara guerra à vida, à natureza e à vontade de viver. Deus é a fórmula de toda a calúnia contra este mundo e de toda a mentira em relação ao mais além». É inútil multiplicar as citações. Nietzsche chega a aceitar que a religião, em algumas das suas fases, expressou a vontade de viver ou, ainda melhor, a de poder; mas a sua atitude geral é a de que a fé em Deus, especialmente no da religião cristã, é hostil à vida e que, quando exprime a vontade de poder, tal vontade é a dos tipos inferiores do homem.

in, F. Nietzsche, Vida, pensamento e obra, «Colecção Grandes Pensadores, nº15», Público