sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A Morte de Deus em Nietzsche

Em A Gaia Ciência, Nietzsche destaca que «o acontecimento mais importante da época actual - que "Deus morreu", que a fé no deus cristão foi impossível de manter - já começa a dissipar as primeiras nuvens sobre a Europa. No final, o horizonte apresenta-se livre diante de nós, apesar de não ser brilhante; no final o mar, o nosso mar, abre-se. Talvez nunca se tenha aberto assim um mar». Por outras palavras, o declínio da crença em Deus abre o caminho às energias criadoras do homem, ao seu desenvolvimento total; o Deus cristão, com os seus mandamentos, com as suas proibições, fica de lado pelo caminho; e os olhos do homem não estarão mais virados para um mundo irreal e sobrenatural, para o outro mundo, mas sim para este. Tal ponto de vista transporta claramente a ideia implícita de que o conceito de Deus é hostil à vida. E é, precisamente, este o empenho de Nietzsche, empenho que ele expressa com uma veemência cada vez maior. «O conceito de Deus - afirma em O Crepúsculo dos Ídolos - foi até agora a objecção maior contra a existência.» E em O Anticristo lemos que «com Deus se declara guerra à vida, à natureza e à vontade de viver. Deus é a fórmula de toda a calúnia contra este mundo e de toda a mentira em relação ao mais além». É inútil multiplicar as citações. Nietzsche chega a aceitar que a religião, em algumas das suas fases, expressou a vontade de viver ou, ainda melhor, a de poder; mas a sua atitude geral é a de que a fé em Deus, especialmente no da religião cristã, é hostil à vida e que, quando exprime a vontade de poder, tal vontade é a dos tipos inferiores do homem.

in, F. Nietzsche, Vida, pensamento e obra, «Colecção Grandes Pensadores, nº15», Público

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